quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

A MÁQUINA POR SANT’ELIA E CHAPLIN

O futurismo foi um movimento que viveu em publicidade. Ele foi anunciado em um manifesto publicado no jornal Le Fígaro em 20 de fevereiro de 1909:

"Eu e meus amigos havíamos passado a noite sob os candelabros em forma de mesquita que reluziam como se nossas almas estivessem iluminadas pela irradiação interior de um coração elétrico. Por quatro horas, havíamos pisado opulentes tapetes orientais e maculado grandes quantidades de papel com pensamentos desvairados. (...) estávamos a sós diante das estrelas hostis, a sós com os fogueiros que transpiram diante das fornalhas satânicas dos grandes navios, a sós com aqueles negros fantasmas que esquadrinham os ventres escaldantes de locomotivas vermelhas enquanto eles avançam em suas velocidades insensatas. (...) todos nos sobressaltamos ao som de um bonde que passou como um estrondo, flamejante em suas luzes multicoloridas, como uma cidadezinha em trajes de festa que o Pó inundado arrancasse de suas margens e lançasse ao mar através de desfiladeiros e corredeiras. Depois, o silêncio ficou mais profundo, e só ouvíamos as preces murmurantes do velho canal e o chiado dos velhos palácios artríticos com suas barbas de hera. (...)
De repente, ouvimos o rugido de carros famintos. (...) vamos, gritei, partamos já. A mitologia e o idealismo místico foram finalmente derrotados. Estamos presenciando o nascimento dos centauros, veremos os primeiros anjos voar. Devemos escancarar as portas da vida, testar os gonzos e os ferrolhos. Vamos partir. Aqui na terra está raiando o primeiro alvorecer da história, e não há nada que se possa comparar à espada rubra do sol, que rasga pela primeira vez as sombras de um milênio."
(Fellipo Tomasso Marinetti, História crítica da arquitetura moderna, p. 95.)

Foi dessa forma bombástica que Marinete anunciava o futurismo, logo foi seguida pelo relato de uma corrida de carros nos arredores da cidade de Milão, que culminou em um acidente que foi interpretado pelos próprios como um batismo mímico de uma nova fé. Logo depois, vinham os 11 pontos do manifesto futurista:


"1. nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade;
2. a coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais a nossa poesia;
3. a literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o êxtase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.
4. nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade.
Um automóvel de corrida com seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais bonito que a “vitória de samotrácia”;
5. nós queremos entoar hinos ao homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a terra, lançada também numa corrida sobre circuito da sua órbita;
6. é preciso que o poeta prodigalize com ardor, fausto e munificência, para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais;
7. não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a prostrar-se diante do homem;
8. nós estamos no promontório externo dos séculos!...por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do impossível?
O tempo e o espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente;
9. nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo – o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas idéias pelas quais se morre o desprezo pela mulher.
10. nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de toda natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista utilitária.
11. nós cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas; as estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as oficinas penduradas às nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de largo peito, que pateiam, sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço enleados de carros, e o vôo rasante de aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e parece aplaudir como uma multidão entusiasta."

(O Futurismo Italiano, p. 33-34)

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