quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

E transcendendo essa relação física comum de construção do fim, podemos citar Charles Chaplin como um também pensador moderno, não futurista, mas tendo em comum o contexto e sua expressão diante desse, de certa medida antagônica aos futuristas, mas que se relaciona seja contradizendo-a ou complementando-a. E que vale ser analisada e estudada dada sua importância histórica, talvez até mesmo pelo cinema ser mais abrangente às grandes massas e de mais fácil realização que a arquitetura.


(...) peço que acreditem não estar de modo algum brincando quando afirmo que desde Montaigne, Cervantes e Dostoiévisqui, foi ele o homem que mais me ensinou (...)
(Elie Faure)

“(…) chaplin, pelo seu gênio pessoal, está muito acima da arte de cinema”.
(Louis Delluc, Festival de Chaplin)


Poucos autores foram e são tão criticados quanto Chaplin, seja de forma negativa ou positiva, polemicamente ou apaixonadamente. Os escritores conservadores e reacionários sempre estiveram contra Charles, como jornalistas da imprensa, Hearst, nos EUA, autores nacionalistas e aristocráticos, como Montherlant, na frança, nazistas e fascistas, entre outros, estes atacavam de forma direta e pessoal, ou mesmo se escondia atrás da crítica do “isto não me agrada”, quando, na verdade, o que não agradava era a politização do artista que poderia influenciar a massa através de sua obra.
Seus desenvolvimentos políticos eram tantos que fizeram com que Chaplin se mudasse dos EUA e voltasse para a Europa. E isso é reconhecido, não sendo apenas por um alinha de defensores da arte pela arte, que desconsideram a reação do contexto histórico com a criação de Chaplin, fato que não ocorre com escritores idealistas avisados, os quais de modo algum desconhecem a relação, inclusive direta e imediata, dos filmes de Chaplin com a realidade social e política de seu tempo, bem como entendendo que eles derivam dela e a influenciam.
É interessante também citar a posição adotada pelos autores católicos quanto a Chaplin, posição contraditória e incoerente, refletindo a cultura católica contemporânea. Tem-se por um lado a rejeição irredutível de um Schwob, e o elogio de Lerprohon, que descobre em Chaplin alguns traços de pessimismo, os quais o autorizam a reconhecer uma aspiração religiosa, ou pelo menos uma problemática, e ainda a posição intermediária, representada por Bazin, o qual escamotea os problemas morais e ideológicos colocados ao público por Charles.
Se tais escritores religiosos se aprofundassem no estudo da obra de Carlitos, estes chegariam a a mesma análise de Henri Massis: “em sua obra, há um grande vazio, a ausência de deus”, e eles não estariam errados, já que se pode recordar que Chaplin afastou de um de seus filmes uma cena em que entrava em uma igreja ou mesmo pelo seu materialismo incerto e confuso onde entra tanto o evolucionismo quanto o determinismo e freudismo, mas que depois, elevou-se à um humanismo laico e iluminista representado em sua obra negativamente ou positivamente quanto a reflexão.
De maior importância, contudo, é a contribuição trazida aos estudos chaplinianos trazida pelos autores de cunho idealista, seja com análises meramente estetizantes seja, mais profundamente, de cunho psicológico-existenciais. Onde se observa como fator comum, a descoberta entusiasmada da obra e depois a interpretação pessoal do dizer de Carlitos.
Contudo, mais coerente foi a posição da crítica de formação marxista, que reconhece Charles como não como comunista mas sim como um humanista burguês democrata, razão pela qual ela o defendeu dos ataques fascistas, apesar de uma parte desses trabalhos partir de um sociologismo de um marxismo vulgar. E Leites comenta este fato, quando afirma uma séria investigação marxista sobre Chaplin ainda não ter sido empreendida. O próprio, que apesar de algumas limitações, traz uma contribuição de grande valor com relação ao plano metodológico chapliniano.
O que houve de fundamentalmente novo e importante no fenômeno Chaplin foi que, pela primeira vez na história das artes, um gênio pode se expressar de forma inédita através de uma arte nova, o cinema. Em um contexto onde o cinema ainda engatinhava, Chaplin apropriou-se deste e dele tirou proveito, excedendo-o, como Shakesper havia excedido o teatro, ou Dostoiévisqui o romance, ou Bethoven a composição musical, o Goethe a poesia, etc.
Chegando até, de certa forma ríspida e preconceituosa, a enaltecer Carlitos, a Delluc afirmar em Charlot (1931): “para um criador cinematográfico, a máscara de Charles Chaplin tem a mesma impotância que a máscara tradicional de Bethoven para um músico ou musicógrafo. Espero que essa declaração elimine automaticamente os leitores inúteis e que permaneçamos entre pessoas capazes de se compreenderem”.
A lista de críticas à Chaplin é notável, e inclui, por exemplo, René Poulaille, Georges Saudoul, Jean Mitry, Pierre Leprohon, Theodore Huff e muitos outros.
O que há de certo e compreensível a todos é que o apelo ao riso como forma de expressar sua revolta e busca pela verdadeira realidade humana por Chaplin atingiu a sociedade em um momento de intensa crise, um período de guerras e de renovação, dividido e incerto, onde as primeiras imagens da mensagem de Chaplin surgiam, com uma absoluta simplicidade; verdade, abandono do artifício, hipocrisia, convenção e mentira, como linguagem.
No início a incompreensão, repulsa, desinteresse, depois a consagração pelo aplauso espontâneo e glorificador das massas, o riso universal, e a rendição de inimigos antes declarados como os suares, os carcos, os souday, que agora se desculpam e renegam seus pensamentos anteriores. E assim o cinema adquiriu nova força de expressão, uma mais ampla significação humana no plano do pensamento mundial, com um horizonte alargado, a partir de um anti-herói, próprio reflexo da contemporaneidade, descendente de Molière, dom Quixote e Sancho Panza, Hamlet e Davroche, na figura de um homenzinho com um fraque surrado, um chapéu de côco e uma bengala torta, mas de uma inquietude grandiosa e insubstituível.

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